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Cleveland Prates

Mudanças no projeto da Previdência obrigarão a uma nova reforma em 10 anos

Cleveland Prates

12/07/2019 04h00

Qualquer pessoa que acompanhe a evolução demográfica da população brasileira, que tenha algum conhecimento em contas públicas e em cálculo atuarial não teria dúvidas sobre a necessidade da reforma da Previdência. Se nada fosse feito, o déficit continuaria crescendo a taxas mais elevadas, acabando com qualquer possibilidade de o Estado brasileiro executar políticas públicas, inclusive aquelas que envolvam distribuição de renda.

Mas a pergunta que ficou depois da aprovação da atual proposta em primeiro turno na Câmara: é que reforma é esta e qual seu efeito no longo prazo? Em outras palavras, ela é justa e eficiente? Resolvemos definitivamente o problema do déficit da Previdência?

Em primeiro lugar, as críticas sobre injustiças podem ser parcialmente aceitas na medida em que determinados grupos e setores da sociedade têm mantido ao menos parte de suas vantagens quando comparados aos demais. São exemplos disso a retirada do setor rural da reforma, a redução da idade mínima para mulheres e alguns benefícios mantidos para policiais federais e do Distrito Federal, além, obviamente, da forma como está apresentada a proposta para os militares.

Em segundo lugar, o jabuti político do aumento da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL) para os grandes bancos só introduz distorções e ineficiências que serão pagas por toda sociedade. Em um ambiente de elevada concentração bancária e falta de concorrência, o aumento da alíquota será facilmente repassada via elevação de tarifas e de taxa de juros. E quem mais necessita de crédito são, em geral, os mais pobres e as empresas que geram empregos. Ademais, ainda não está claro como a CSLL será tratada na reforma tributária, podendo implicar perda de recursos no futuro para a Previdência.

Em terceiro, a retirada de uma espécie de gatilho automático para a mudança na expectativa de sobrevida nos obrigará em um curto espaço revisar a idade mínima para a aposentadoria, uma vez que os dados demográficos indicam que felizmente as pessoas viverão cada vez mais no Brasil. O problema é que o retorno a essa discussão implicará mais um desgaste político e econômico para o país.

Em quarto, a não inclusão de estados e municípios é o que há de mais preocupante no texto aprovado, uma vez que o maior dos problemas do déficit público brasileiro está exatamente nesses entes federativos. A ausência de solução para esta questão certamente fará com que eles recorram em breve ao governo federal em busca de recursos, contaminando todo o esforço da reforma da Previdência atualmente encaminhada no Congresso.

Diante dos aspectos aqui apontados, parece inevitável voltarmos ao tema já na próxima década, a não ser que haja um aperfeiçoamento no Senado. De toda forma, o primeiro passo foi dado ao reconhecermos o problema e propormos ao menos mudanças emergenciais.

Sobre o Autor

Economista especializado em regulação, defesa da concorrência e áreas correlatas. Atualmente é sócio-diretor da Microanalysis Consultoria Econômica, coordenador do curso de regulação da Fipe e professor de economia da FGV-Law/SP. Foi Conselheiro do Cade (Conselho Administrativo de Defesa Econômica) e secretário-adjunto da Secretaria de Acompanhamento Econômico do Ministério da Fazenda.

Sobre o Blog

Este blog foi criado com o objetivo de propor um debate mais racional sobre temas econômicos que, em última instância, afetam o nosso cotidiano. A ideia central é analisar decisões governamentais e judiciais que possam implicar algum impacto sobre os incentivos gerados no setor privado e sobre o crescimento econômico do país.