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Cleveland Prates

Pressão política em órgão técnico, como Bolsonaro admitiu, é ruim para país

Cleveland Prates

03/09/2019 04h00

Neste último sábado (31), em reunião com os jornalistas, o presidente Bolsonaro assumiu que cedeu a pressões políticas e aceitou a indicação de nomes para o Cade (Conselho Administrativo de Defesa Econômica) vindo do Congresso. Não pretendo aqui emitir qualquer juízo sobre a capacidade técnica ou envergadura moral dos novos indicados, mesmo porque não os conheço, além de não ter por hábito fazer qualquer pré-julgamento sobre pessoas. Ao contrário, por ter passado pelo órgão e saber de todas as dificuldades enfrentadas quando se senta na cadeira de Conselheiro, só tenho que torcer pelo sucesso de todos e desejar-lhes rápido aprendizado e boa sorte.

Entretanto, não posso deixar de me posicionar sobre o processo político de escolha de nomes para órgãos técnicos. O Cade, a exemplo das agências reguladoras, é uma autarquia que tem características de Estado, e não de governo. Isso quer dizer que suas decisões não devem estar sujeitas às intempéries de mudanças de governos e de visões políticas, uma vez que elas afetam substancialmente os incentivos para investir do setor privado. Decisões aleatórias, que não construam uma jurisprudência clara e forte, elevam o nível de insegurança nos mercados e inibem investimentos. Este mesmo raciocínio vale ainda mais para as agências reguladoras, que constantemente editam novas normas que, se não forem avaliadas de maneira técnica e com parcimônia, podem alterar sensivelmente os resultados das firmas que são reguladas. A pergunta que fica é o porquê do interesse político nas indicações nesses órgãos.

A visão geral é que indicações eminentemente políticas estão relacionadas à possibilidade de que os cargos ocupados permitam algum tipo de controle sobre os gastos públicos, com a finalidade de destinar recursos para suas respectivas bases eleitorais ou, em casos menos republicanos, montar algum tipo de esquema de corrupção. Mas esta não é a principal motivação no caso das agências e do Cade, principalmente pela própria limitação orçamentária e das restrições ao direcionamento de seus gastos.

Em realidade, podemos levantar três hipóteses para o interesse tão grande nesses órgãos. O primeiro é a real preocupação com o interesse público. Alguns políticos poderiam se preocupar em garantir nomes técnicos como forma de obter decisões coerentes que estimulem os investimentos e o crescimento econômico.

A segunda estaria mais relacionada ao Cade e teria por objetivo evitar que casos de cartéis, que também envolvessem corrupção, fossem julgados ou que tivessem decisões desfavoráveis às empresas participantes do acordo. Isto porque a eventual condenação de alguns desses casos poderia piorar a situação das empresas e dos políticos envolvidos nos julgamentos relativos à acusação de corrupção, tanto na esfera administrativa como criminal.

Já a terceira hipótese deriva do que se conhece na literatura econômica como efeito caçador de renda (rent-seeking) e captura das agências. O eventual controle sobre as decisões dos órgãos de Estado, por meio de indicação dos responsáveis pelo processo decisório, constitui-se em um valioso produto no mercado político de negociação com o setor privado. Dado que algumas decisões, tanto no âmbito regulatório como na área de defesa da concorrência, podem favorecer algumas empresas e elevar sua rentabilidade, elas estarão dispostas a gastar parte dos recursos futuros obtidos para convencer os responsáveis pelo processo decisório. Se houver um comprometimento não republicano entre os indicados e quem os indicou, a decisão do órgão passaria a se dar no âmbito político. Neste cenário, as empresas poderiam se sentir compelidas a "investir" na captura de decisões favoráveis por meio do convencimento dos políticos que têm o controle sobre os órgãos. E isso ocorreria via financiamento de campanha ou, na pior das hipóteses, por corrupção.

Para minimizar este problema, há duas coisas que podem ser feitas. A primeira é definir critérios objetivos, técnicos e de experiência no processo de indicação para diretores dessas autarquias. Isso, de certa maneira, já foi incorporado na Lei das Agências, mas ainda não existe nada do tipo na lei de defesa da concorrência. A segunda é que, caso a indicação seja política, o mínimo que se espera é que seja dada transparência ao padrinho do indicado. Assim, tanto o indicado quanto quem o indicou se sentirão menos livres para firmar um eventual acordo não republicano. Infelizmente no processo atual, além de nenhum congressista ter assumido publicamente qualquer eventual indicação, os demais nomes, depois da palavra do presidente, também ficaram sujeitos a questionamento sobre as reais motivações de suas indicações.

Sobre o Autor

Economista especializado em regulação, defesa da concorrência e áreas correlatas. Atualmente é sócio-diretor da Microanalysis Consultoria Econômica, coordenador do curso de regulação da Fipe e professor de economia da FGV-Law/SP. Foi Conselheiro do Cade (Conselho Administrativo de Defesa Econômica) e secretário-adjunto da Secretaria de Acompanhamento Econômico do Ministério da Fazenda.

Sobre o Blog

Este blog foi criado com o objetivo de propor um debate mais racional sobre temas econômicos que, em última instância, afetam o nosso cotidiano. A ideia central é analisar decisões governamentais e judiciais que possam implicar algum impacto sobre os incentivos gerados no setor privado e sobre o crescimento econômico do país.