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Cleveland Prates

Mudanças em debate afastam ainda mais políticos da vida real dos eleitores

Cleveland Prates

25/09/2019 04h00

Toda véspera de ano eleitoral, o país assiste a um intenso debate sobre algum tipo de mudança no nosso sistema eleitoral. Neste ano não foi diferente, e a questão se concentrou sobre a forma de financiar os partidos políticos e o uso dos recursos repassados.

Não pretendo aqui retomar as críticas apontadas na imprensa, com as quais concordo, sobre o absurdo da possibilidade de uso de dinheiro público para contratação de advogados para defesa de políticos envolvidos em crimes ou mesmo toda a dificuldade criada para acompanhamento das contas de campanha, principalmente durante o processo eleitoral. Tampouco trarei novamente a contabilidade de quantas bolsas famílias ou bolsa de mestrado e doutorado poderiam ser pagas com o fundo partidário bilionário hoje existente. Meu ponto aqui será um convite à reflexão sobre os incentivos gerados pelo modelo eleitoral que estamos montando aos poucos e sobre a eficiência da nossa democracia.

Não é de hoje que se diz que o país se tornou ingovernável pelo número de partidos existente. A tese mais aventada é a de, com um excesso de partidos, a política virou um "toma lá dá cá", com negociações constantes que envolvem cargos, emendas e até aspectos ligados à corrupção, como o que ocorreu no mensalão. Minha visão é um pouco diferente desta suposta lógica.

Em primeiro lugar, porque a maior parte das negociações relevantes acontece com os grandes partidos, que são os que de fato têm condições de dar a sustentação necessária para a aprovação do quanto o Executivo deseja. Já os pequenos partidos têm uma capacidade limitada e, em geral, pouco acrescentam em termos de votos nas decisões mais importantes. Na realidade, se os grandes partidos fossem coesos e seus congressistas seguissem diretrizes partidárias coerentes, coisa que hoje não existe, não teríamos a tal alegada ingovernabilidade.

Mas mesmo assumindo-se que o problema seja, de fato, o número de partidos existentes no país, o fundo eleitoral bilionário que temos hoje é mais um incentivo para que sejam criadas novas agremiações políticas que não tenham qualquer comprometimento com os anseios da sociedade. A questão central é que, na medida em que o recurso seja retirado diretamente do orçamento público, os políticos não precisam ter qualquer comprometimento sério com seus eleitores para convencê-los a financiar suas respectivas campanhas.

Alguns dizem que o fundo eleitoral é o custo da democracia. Mas na proporção a que chegamos, ele se tornou apenas um dinheiro fácil, que atrai grupos que "caçam renda" e que criam ao longo do tempo estruturas partidária-eleitorais enormes para se perpetuar no poder. São exatamente essas estruturas que garantem a manutenção do controle das decisões políticas no país e dificultam a entrada de novas ideias, uma vez que a competição no processo eleitoral se torna muito desigual. Não por outra razão que constantemente ouvimos falar a expressão "caciques políticos", que nada mais são dos que os líderes locais ou regionais que, com seus respectivos grupos, decidem quem pode ou deve concorrer nas eleições futuras.

E esta situação tenderá a ficar ainda pior se levarem à frente a denominada "cláusula de barreira ou de desempenho", posto que ela dificultará ainda mais que novos partidos tenham acesso às mesmas condições para concorrer nos futuros processos eleitorais. Neste ambiente – que combina cláusulas restritivas com recursos bilionários distribuídos de maneira não isonômica – veremos "o futuro repetir o passado e um museu de grandes novidades" na vida política. Mais do que isso, a nossa democracia representativa ficará ainda mais comprometida do que já tem sido, exacerbando ainda mais a falta de aderência das decisões políticas às reais necessidades da sociedade.

Sobre o Autor

Economista especializado em regulação, defesa da concorrência e áreas correlatas. Atualmente é sócio-diretor da Microanalysis Consultoria Econômica, coordenador do curso de regulação da Fipe e professor de economia da FGV-Law/SP. Foi Conselheiro do Cade (Conselho Administrativo de Defesa Econômica) e secretário-adjunto da Secretaria de Acompanhamento Econômico do Ministério da Fazenda.

Sobre o Blog

Este blog foi criado com o objetivo de propor um debate mais racional sobre temas econômicos que, em última instância, afetam o nosso cotidiano. A ideia central é analisar decisões governamentais e judiciais que possam implicar algum impacto sobre os incentivos gerados no setor privado e sobre o crescimento econômico do país.