Fim do DPVAT: motorista que causa acidente deve pagar tratamento da vítima?
Nesta semana, o governo resolveu extinguir o seguro obrigatório DPVAT, cujo objetivo era oferecer cobertura para as vítimas de acidentes de trânsito registrados em território nacional. Como tudo no país nos últimos tempos, esta decisão também virou uma celeuma, sujeita a todo tipo de ruído político.
De um lado, há quem aponte corretamente que o sistema, como constituído, é ineficiente e se mostra suscetível à corrupção, conforme observado durante a operação "Tempo de Despertar", de 2015. De outro, estão aqueles que argumentam que, tanto o SUS como o INSS (via Benefício de Prestação Continuada), ficarão sobrecarregados, uma vez que haverá perda de recursos por parte do Estado.
Em que pese os dados iniciais não indicarem perda significativa de recursos, há questões relevantes que merecem uma reflexão maior por parte da sociedade. Devemos lembrar que o detentor de um veículo é, em tese, um potencial gerador de acidentes, que, caso se materializem, geram um dano a terceiros e, muitas vezes, à sociedade (via utilização do SUS). Ato contínuo desta premissa, devemos questionar se é razoável que toda a sociedade arque com os custos e o dano gerado por quem provocou o acidente.
Para além do simples raciocínio que envolve o conceito de justiça, a lógica contida na Análise Econômica do Direito também indica que a resposta é não. O que se espera é que quem gerou o dano (externalizou o problema, no jargão econômico) seja responsável por corrigi-lo (internalizá-lo), na exata proporção do problema que criou. Provavelmente seja nesta linha que Solange Vieira, atual Superintendente da Susep (Superintendência de Seguros Privado), defendeu que as pessoas assumam a responsabilidade diretamente no judiciário, pagando indenizações, ou que contratem um seguro.
Em tese, tenderia a concordar com o argumento da superintendente, mesmo porque considero que as pessoas devem ser mais responsáveis pelos seus atos e menos dependentes do Estado. O problema, entretanto, é a morosidade e ineficiência do nosso judiciário, que leva anos para decidir casos envolvendo acidentes, sendo que, por vezes, os processos prescrevem. Ademais, seja por questões de renda limitada, por preços elevados de alguns tipos de seguros ou mesmo pelo perfil do brasileiro, uma boa parcela dos proprietários de veículos prefere não contratar seguros.
Neste contexto de impunidade, que também contribui para a ausência de contratação de seguros por parte da população, cria-se um efeito perverso de "externalizar" o dano gerado à vítima ou a toda sociedade. Em outras palavras, a vítima acaba não recebendo uma indenização adequada ou a sociedade acaba por arcar não só com o sistema hospitalar, como também com a assistência continuada a quem não consegue se recuperar.
Obviamente, uma solução definitiva para o problema aqui levantado não é trivial. Ela passa, necessariamente, por uma mudança estrutural do sistema judiciário, que torne mais ágil suas decisões, pelo desenvolvimento de um mercado de seguros mais competitivo, que oferte produtos a preços mais acessíveis, e pela elevação do nível de renda da sociedade como um todo.
Uma alternativa de curto prazo seria a implementação de uma regulação que obrigue que todos que tenham veículos façam um seguro obrigatório mínimo, com cláusulas de danos pessoais pré-definidas pela Susep.
É claro que o poder de barganha individual de cada proprietário seria muito menor do que o do Estado contratando um seguro geral em nome de todos, como no modelo do DPVAT.
Por outro lado, a possibilidade de as seguradoras cobrarem preços diferentes de perfis distintos de proprietários de veículos poderia auxiliar a induzir um comportamento mais prudente no trânsito. Perfis de veículos e de motoristas que geram menores riscos no trânsito seriam premiados com menores preços, e vice-versa. Teríamos, assim, um modelo mais eficiente, que contribuiria, inclusive, para reduzir o número de acidentes no trânsito e os danos individuais e coletivos ao longo do tempo.
De toda forma, o que se percebe é que o problema associado ao fim do DPVAT é mais complexo do que parece e envolve escolhas que devem considerar a relação custo-benefício das alternativas aqui discutidas.
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