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Cleveland Prates

Discussão esquerda-direita na América Latina não resolve pobreza na região

Cleveland Prates

22/11/2019 04h00

Com as recentes manifestações que têm tomado corpo em países da América Latina, as redes sociais voltaram a assistir a um debate ideológico interminável sobre quem seriam os culpados pelas mazelas econômicas observadas na região. De um lado, as ditas pessoas de esquerda argumentam que a culpa é do "tal do modelo neoliberal", que tem por base um equilíbrio fiscal draconiano que acaba atingindo os mais pobres. De outro lado, os conservadores, que atribuem o problema da pobreza ao baixo crescimento derivado do excesso de intervencionismo estatal na economia.

Na realidade, uma avaliação mínima do que tem acontecido no continente nos mostra que os erros e acertos econômicos não são exclusividade de qualquer um dos dois lados, mas sim do tipo de política adotada. Por um lado, a falta de uma política econômica responsável, que incorpore um equilíbrio das contas públicas, mais cedo ou mais tarde acaba por elevar a inflação e reduzir a capacidade de geração de renda ao longo do tempo. São exemplos deste tipo, países como a Argentina, Venezuela e o próprio Brasil, entre 2008 e 2016, que preferiram seguir uma linha mais populista, adotando inclusive medidas protecionistas e intervencionistas. Por outro lado, o Chile, tomado até há pouco tempo como um exemplo, teve governos de esquerda que estimularam a liberalização da economia acompanhada de contas públicas equilibradas. Mas mesmo com todos os avanços obtidos, há por lá ainda um descontentamento com relação ao nível de distribuição de renda. Contudo, vale lembrar que a carga tributária no Chile está em torno de 21%, havendo muito espaço para a adoção de política redistributiva.

Para além do debate ideológico, precisamos entender que não existe qualquer contradição entre equilíbrio fiscal e distribuição de renda. Mais do que isso, o equilíbrio das contas públicas é pré-condição para que retomemos o crescimento econômico e possamos estabelecer uma política de distribuição de renda sustentável no longo prazo. Isto porque não há como se distribuir renda que não seja gerada, a não ser que se pretenda distribuir pobreza.

O que precisamos é redefinir o perfil do gasto público, hoje excessivamente direcionado para pagamento de pessoal e aposentadorias. Por isso é tão importante que, além da reforma da previdência, seja aprovada uma boa reforma administrativa, que libere recursos públicos para a implementação de políticas públicas com foco nas camadas mais pobres da sociedade. Não é mais possível, e muito menos aceitável, que com uma carga de 35% do PIB (superior ao do Reino Unido, por exemplo, que está em torno de 32%) não sejamos capazes de melhorar nossos indicadores de distribuição de renda no país.

Medidas assistencialistas, que envolvem programas como bolsa família, são importantes, mas a atuação do governo deve se estender para as verdadeiras políticas distributivas com efeitos de longo prazo. E isso implica dar melhores condições para que nossas crianças se desenvolvam e sejam capazes de gerar mais renda que as gerações anteriores. Mais do que nunca, o foco público deve ser investimento em educação, saúde, segurança e saneamento básico. Este foi o caminho seguido por países de sucesso no mundo todo.

É fundamental também implementar uma reforma tributária cuja arrecadação se concentre mais sobre a renda e menos sobre o consumo. Da forma como o nosso modelo tributário está hoje constituído, excessivamente concentrado sobre o consumo, as camadas mais baixas acabam pagando mais tributos em proporção da renda recebida.

De maneira subsidiária, mas não menos importante, o Estado deve ser capaz de criar um ambiente de negócios favorável no país, que atraia novos investimentos privados e gere novos e melhores empregos. E para isso é fundamental implementar um amplo programa de desburocratização nas três esferas de governo, elevar a eficiência do nosso judiciário, inclusive garantido maior segurança jurídica nos processos decisórios, e fortalecer as instituições regulatórias e os mecanismos de combate à corrupção.

Já passou da hora de deixarmos de lado discussões ideológicas e sermos mais pragmáticos, pois, do contrário, estaremos no mesmo lugar daqui a cinquenta anos.

Sobre o Autor

Economista especializado em regulação, defesa da concorrência e áreas correlatas. Atualmente é sócio-diretor da Microanalysis Consultoria Econômica, coordenador do curso de regulação da Fipe e professor de economia da FGV-Law/SP. Foi Conselheiro do Cade (Conselho Administrativo de Defesa Econômica) e secretário-adjunto da Secretaria de Acompanhamento Econômico do Ministério da Fazenda.

Sobre o Blog

Este blog foi criado com o objetivo de propor um debate mais racional sobre temas econômicos que, em última instância, afetam o nosso cotidiano. A ideia central é analisar decisões governamentais e judiciais que possam implicar algum impacto sobre os incentivos gerados no setor privado e sobre o crescimento econômico do país.