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Cleveland Prates

A quem pode interessar enfraquecer o combate à lavagem de dinheiro no país?

Cleveland Prates

13/08/2019 04h00

Recentemente, o presidente Bolsonaro indicou que pretende levar o Coaf (Conselho de Controle de Atividades Financeiras) para o Banco Central, como forma de "blindar" o órgão de interferências políticas. Mas, se este for mesmo o objetivo, seria mais razoável que se criasse uma autarquia independente no âmbito do Ministério da Justiça, uma vez que a lavagem de dinheiro é um crime que tem como origem uma série de crimes denominados antecedentes. São exemplos desses últimos a sonegação fiscal, a corrupção e outros que, inclusive, afetam a segurança do país, tais como tráfico de drogas, contrabando de armas e terrorismo.

A lavagem de dinheiro nada mais é do que uma prática com a finalidade de dissimular ou esconder a origem ilícita de determinados ativos financeiros ou bens patrimoniais, de forma que estes aparentem uma origem lícita. Em geral, envolve uma série de operações complexas de compra e venda de bens, negócios com moedas estrangeiras em mercados paralelos ou com bitcoin e transferência de recursos entre instituições financeiras de vários países. Um bom exemplo dos vários tipos de movimentação foi observado no processo de investigação da Operação Lava-Jato. Foram identificadas operações com moeda estrangeira, movimentação entre contas no exterior e aquisições de joias e obras de arte.

Os chamados crimes antecedentes não são de fácil detecção, exatamente porque a intenção do criminoso é ocultar a origem do recurso obtido por meio de lavagem de dinheiro. É por isso que a existência de um órgão de inteligência, como o Coaf, que receba informações das instituições usadas para tal (como bancos, seguradoras, ateliers de arte, joalheiras, etc.) e as consolida de uma maneira eficiente, é fundamental no processo de identificação e combate ao crime organizado no país.

Assim, devemos deixar de lado toda a fumaça da discussão ideológica criada neste ano sobre a atuação do órgão e entendermos que seu funcionamento tem razão de ser e que em nada difere da experiência internacional. Todo seu procedimento é técnico e baseado em um primeiro momento apenas na utilização de ferramentas tecnológicas, que identificam os casos mais prováveis de cometimento de crime. Só a partir deste ponto, as informações restantes do filtro inicial são encaminhadas aos técnicos, mas mesmo assim por meio de uma distribuição aleatória realizada pelo sistema de informática do Coaf. Em outras palavras, o trabalho humano no processo só se inicia neste instante, evitando-se, assim, escolhas prévias de pessoas a serem investigadas.

Existe obviamente uma maior preocupação com as chamadas "pessoas politicamente expostas", que são aquelas que ocupam ou ocuparam cargos públicos relevantes, assim como seus familiares e estreitos colaboradores. Mas o objetivo é exatamente monitorar de perto essas pessoas para combater mais rapidamente eventuais desvios de conduta no setor público, a exemplo do que também fazem outros países.

Para se ter uma ideia, em 2018, das quase 3 milhões de comunicações feitas ao Coaf, foram filtradas e encaminhadas aos órgãos responsáveis pela investigação atitudes suspeitas de mais de 370 mil pessoas físicas e jurídicas. Com certeza, a maioria desses indícios ficaria escondida da sociedade, caso o Coaf não pudesse atuar como vinha atuando até o ano passado. E neste processo é importante entender também que a cooperação e proximidade com os órgãos de investigação no Brasil e outros de inteligência no mundo assumem um papel-chave no combate ao crime organizado no país.

Em vista disso, a pergunta que fica é: a quem interessa evitar o fortalecimento de um sistema eficiente e independente de combate à lavagem de dinheiro? Certamente quem tem mais a ganhar com um sistema fraco são os políticos corruptos, os grandes sonegadores, os traficantes e até mesmo os terroristas, que passarão a enxergar o país como um porto seguro para suas atividades.

Sobre o Autor

Economista especializado em regulação, defesa da concorrência e áreas correlatas. Atualmente é sócio-diretor da Microanalysis Consultoria Econômica, coordenador do curso de regulação da Fipe e professor de economia da FGV-Law/SP. Foi Conselheiro do Cade (Conselho Administrativo de Defesa Econômica) e secretário-adjunto da Secretaria de Acompanhamento Econômico do Ministério da Fazenda.

Sobre o Blog

Este blog foi criado com o objetivo de propor um debate mais racional sobre temas econômicos que, em última instância, afetam o nosso cotidiano. A ideia central é analisar decisões governamentais e judiciais que possam implicar algum impacto sobre os incentivos gerados no setor privado e sobre o crescimento econômico do país.