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Cleveland Prates

Brumadinho, Amazônia, óleo: ambiente não pode ser contaminado por ideologia

Cleveland Prates

29/10/2019 04h00

Nos últimos meses temos assistido a um debate insano e infrutífero sobre meio-ambiente. De um lado, aqueles que se apropriam de qualquer número para justificar suas teses de quanto destruímos a natureza ou que aproveitam os erros de Bolsonaro para uso político. De outro, vemos um presidente que não consegue entender seu papel e um governo totalmente perdido nesta área, que em nada contribuem para as soluções dos verdadeiros problemas ambientais, muitos vindo de longa data.

Em particular, três questões que ganharam destaques neste ano ilustram o quão despreparado o país está para detectar os reais riscos ambientais e adotar medidas efetivas que evitem ou minimizem riscos de desastres ao meio ambiente.

O primeiro deles é o caso de Brumadinho, que, por mais absurdo que possa parecer, apenas reproduziu o que ocorreu em Mariana. A ausência de um modelo institucional adequado, que englobe incentivos ao monitoramento privado, fiscalização pública e punições adequadas, pode explicar parte dos dois desastres. A outra parte está ligada à própria morosidade do nosso sistema judicial, que só estimula a que as empresas posterguem soluções e, no limite, contem com a própria prescrição processual e consequente impunidade. Para situações como essas, uma observação da experiência de países que têm que lidar com o mesmo tipo de risco, como, por exemplo, a Austrália, poderia nos ajudar criar um modelo mais eficiente no país e reduzir o risco de novos desastres.

O segundo caso que tomou conta da mídia foi o das queimadas na Amazônia. E novamente o debate ganhou uma proporção enorme, muito pela fala do nosso Presidente e pelos "pitacos" de Macron, que aproveitou para tentar desviar o foco de suas próprias dificuldades internas na França. A realidade é que não existe nenhum estudo sério que comprove uma tendência à elevação no desmatamento. Dados pontuais nada dizem sobre efeitos de longo prazo. Ao contrário, todos os estudos que li até o momento são inconclusivos. Ademais, o aumento de queimadas neste ano pode estar associado a outras variáveis, inclusive climáticas. Vale lembrar que a quantidade de queimadas se elevou no mundo todo, principalmente na América do Sul e África.

Por outro lado, é obvio que qualquer pessoa sensata sabe que a interação do homem com o meio ambiente nunca é neutra. A questão é como administrar este problema. Particularmente entendo que a redução do número de queimadas só poderá ocorrer de maneira efetiva se houver uma política de desenvolvimento econômico da região de maneira sustentável. Não é possível esperar que os habitantes do norte do país abram mão do desmatamento predatório e sejam até mesmo "parceiros" na preservação do meio ambiente se não entenderem a importância de tal medida e não tiverem condições de sustentar suas próprias famílias.

O terceiro caso é o do recente o vazamento de petróleo no litoral do Nordeste, que apesar de não ser de tão simples solução e culpa do atual governo, denota um total despreparo e descaso para lidar com a situação. O tempo que se perdeu procurando travar uma discussão ideológica e, de certa maneira, cobrar responsabilidade de entidades que nenhuma obrigação tem para resolver o problema indicam uma nítida falta de foco no que é de fato relevante. Enquanto isso, cidadãos nordestinos bem-intencionados, mas desinformados sobre o risco à saúde de manejar o óleo nas praias, têm procurado minimizar os efeitos desse derramamento porque sabem muito bem qual o seu impacto para a economia local e, particularmente, sobre suas respectivas capacidades de gerar renda.

A relevância de se entender o efeito da interação do ser humano com o meio ambiente e os efeitos econômicos deste processo têm ganho um espaço cada vez maior em todos os países desenvolvidos. Hoje percebe-se que mudanças de ecossistemas podem reduzir a produtividade futura de determinadas áreas, a capacidade de gerar renda de determinadas regiões e aumentar o risco de ocorrência de catástrofes climáticas, que normalmente impõem um ônus econômico elevado de reconstrução do quanto destruído. E isso é tão verdade, que as próprias seguradoras no mundo todo têm dedicado cada vez mais tempo e recurso para prever os efeitos dessa interação e redefinirem os riscos incorridos e, consequentemente, os preços praticados nas suas apólices.

No caso brasileiro, há um longo percurso a ser trilhado, que passa inicialmente pelo entendimento do problema e exige uma combinação de políticas públicas que envolvem desde um planejamento de desenvolvimento econômico sustentável de regiões mais carentes, a definição de uma política clara de meio ambiente e a revisão de toda a institucionalidade que lida com a questão (leis e os respectivos incentivos hoje gerados, órgãos de fiscalização e a própria atuação do nosso sistema judiciário).

Sobre o Autor

Economista especializado em regulação, defesa da concorrência e áreas correlatas. Atualmente é sócio-diretor da Microanalysis Consultoria Econômica, coordenador do curso de regulação da Fipe e professor de economia da FGV-Law/SP. Foi Conselheiro do Cade (Conselho Administrativo de Defesa Econômica) e secretário-adjunto da Secretaria de Acompanhamento Econômico do Ministério da Fazenda.

Sobre o Blog

Este blog foi criado com o objetivo de propor um debate mais racional sobre temas econômicos que, em última instância, afetam o nosso cotidiano. A ideia central é analisar decisões governamentais e judiciais que possam implicar algum impacto sobre os incentivos gerados no setor privado e sobre o crescimento econômico do país.