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Cleveland Prates

Mudanças do BC devem aumentar competição, baixar custos e melhorar serviços

Cleveland Prates

26/02/2020 04h00

Ao longo das duas últimas décadas, o país se acostumou a ver um Banco Central extremamente conservador e preocupado com questões ligadas ao controle da inflação e com a saúde do sistema financeiro. Pouca atenção foi dada à competição no mercado. Ao contrário, várias fusões e aquisições foram aprovadas, elevando substancialmente a concentração e consolidando grandes conglomerados financeiros com braços para vários segmentos. Esta estrutura criou incentivos para a adoção de condutas anticompetitivas e outras "não republicanas" na esfera da defesa do consumidor, explicando uma boa parte da elevada taxa de juros que temos hoje no país.

Nos anos mais recentes, entretanto, o que se nota é um esforço dentro da instituição para reverter esse quadro. Há um corpo técnico que tem buscado desenvolver um modelo regulatório que estimule a concorrência no sistema financeiro. E isto é algo louvável, principalmente em um ambiente em que as novas tecnologias favorecem a entrada de empresas em vários segmentos do mercado a um custo muito mais baixo. Em particular, há que se destacar o movimento das fintechs (empresas que trabalham com tecnologia, inovando e otimizando serviços financeiros), que têm incomodado os bancos tradicionais em vários nichos de mercado.

No bojo das medidas apresentadas, destacam-se quatro consultas públicas que propõem um novo ambiente regulatório pró-competição. A primeira delas (CP 72/2019) trata da criação do denominado Sandbox Regulatório, um ambiente controlado para testes de inovações financeiras e de meios de pagamento. A ideia é permitir que tanto instituições já autorizadas como as não autorizadas pelo BC ofereçam novos produtos e serviços para determinados clientes, mediante uma regulação específica muito menos custosa do que a vigente. Com isso, espera-se gerar frutos para estimular com vigor a concorrência futura, sem afetar a segurança e a eficiência do sistema financeiro.

Já a segunda proposta (CP 73/2019) trata da constituição do Sistema Financeiro Aberto (Open Banking), modelo que tem sido cada vez mais utilizado no mundo. A ideia é permitir o compartilhamento de informações de clientes de instituições financeiras, desde que devidamente autorizado por eles. Serão obrigadas a participar do open banking as 13 maiores instituições financeiras do Brasil, sendo que as demais poderão aderir voluntariamente. O objetivo desta medida é permitir que as instituições menores e eventuais novas que queiram entrar no mercado tenham acesso às mesmas informações dos bancos tradicionais, podendo avaliar o perfil e o risco dos vários clientes com mais acuidade e oferecer um crédito a juros menores, tornando o sistema mais inclusivo e competitivo.

A terceira proposta (CP 74/2019) trata da atividade de escrituração de duplicatas eletrônicas e procura garantir mais segurança e eficiência nas transações envolvendo este instrumento. Com esta medida, será criado um sistema eletrônico único de registro e negociação de todos os recebíveis mercantis eletrônicos, facilitando o controle de pagamento das duplicatas e de suas negociações. Assim, será formado um mercado mais confiável e competitivo, sendo que a exigência adicional de interoperabilidade entre os sistemas das instituições envolvidas permitirá que esses recebíveis possam ser usados como garantias para obter financiamento a custos mais baratos para empresas.

Finalmente, a quarta (CP 75/2019) envolve mudanças na regulação do serviço de caixa eletrônico. Na visão do BC, há evidências de que os bancos digitais e os bancos de menor porte dispõem de limitados canais de atendimento presenciais para seus clientes, restringindo as suas respectivas capacidades de concorrer. E isto ocorre porque os grandes bancos de rede operam arranjos fechados de caixas eletrônicos, sem interoperabilidade com instituições menores, ou com arranjos abertos que oferecem condições desiguais de acesso e de preço para uso de suas redes. Assim, a ideia é definir regras mais isonômicas de condições de acesso aos serviços de caixas eletrônicos, como depósitos e saques.

Apesar de não ser uma panaceia, é muito provável que este conjunto de medidas sofra forte pressão contrária por parte dos grandes bancos. Mas, se pretendemos ter um mercado financeiro mais competitivo no futuro, com juros mais próximos do que observamos em países do primeiro mundo, é necessário que a sociedade participe deste debate e cobre que tais normativas sejam colocadas em prática com os devidos aperfeiçoamentos que possam ser sugeridos.

Sobre o Autor

Economista especializado em regulação, defesa da concorrência e áreas correlatas. Atualmente é sócio-diretor da Microanalysis Consultoria Econômica, coordenador do curso de regulação da Fipe e professor de economia da FGV-Law/SP. Foi Conselheiro do Cade (Conselho Administrativo de Defesa Econômica) e secretário-adjunto da Secretaria de Acompanhamento Econômico do Ministério da Fazenda.

Sobre o Blog

Este blog foi criado com o objetivo de propor um debate mais racional sobre temas econômicos que, em última instância, afetam o nosso cotidiano. A ideia central é analisar decisões governamentais e judiciais que possam implicar algum impacto sobre os incentivos gerados no setor privado e sobre o crescimento econômico do país.