A epidemia de medidas descoordenadas pode agravar a pandemia do coronavírus
A crise do coronavírus aparentemente não é o único problema que teremos que enfrentar ao longo dos próximos meses. Com os Decretos de Calamidade Pública editados em todo o país, muitos agentes públicos passaram a se achar no direito de adotar qualquer tipo de medida, beirando, até mesmo, um comportamento ditatorial.
Em São Paulo, por exemplo, o governo do estado invadiu a empresa 3M para confiscar 500 mil máscaras, sob a alegação de que seriam necessárias para uso de profissionais da rede estadual de Saúde. Mas isso ocorreu sem que houvesse qualquer tipo de recusa prévia de fornecimento por parte da empresa.
Seguindo uma linha um pouco diferente, a Prefeitura de Cotia (SP) apreendeu 35 ventiladores pulmonares da fábrica de equipamentos médicos Magnamed, que nem devidamente testados estavam. A alegação, neste caso, apoiada na decisão de uma juíza da 2ª Vara Federal de Osasco, foi a de que o Ministério da Saúde tinha requisitado todos os aparelhos.
Há ainda o caso da Prefeitura de São Roque (SP), que retirou equipamentos da UTI (Unidade de Terapia Intensiva) do Hospital São Francisco (HSF), sob a alegação de combate ao coronavírus no município.
Todas essas decisões ignoraram que o problema do vírus não se limita ao município ou ao estado. A retirada de produtos de seus fabricantes pode implicar a falta de entrega em outras regiões, muitas vezes até mais necessitadas. A alocação de recursos de saúde para o controle da epidemia deve se dar por meio de uma coordenação central no país, que identifique as necessidades mais prementes a cada momento e faça o ajuste necessário. Se não fizermos isso, acabaremos por entrar em um jogo de "perde-perde".
No capítulo "necessidade de controle preços", a situação não é muito diferente. Temos desde casos que procuram inferir o que seria um preço abusivo, sem qualquer critério econômico (o Procon de BH, por exemplo, assumiu que seria de 20%), até a limitação de majoração decretada pela Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro (Alerj) e sancionado pelo governador do estado.
Aliás, existem vários projetos deste tipo também na Câmara dos Deputados Federais. Um deles, inclusive, de autoria da deputada Alice Portugal (PCdoB-BA), pretende limitar a taxa de juros à taxa Selic vigente, ignorando outros custos com que um banco tem que arcar.
Apesar de parecerem medidas simpáticas aos olhos da população, este será o caminho mais curto para observarmos desabastecimento de produtos e falta de crédito para pessoas físicas e jurídicas. Basta lembrar dos efeitos provocados pelo controle de preços durante o Plano Cruzado, em 1986. E isso sem falar na enxurrada de processos administrativos e judiciais que aparecerão como consequência da fiscalização do Estado.
A majoração de preços até pode ser um problema, mas a negociação para se estabelecer cotas para vendas de produtos essenciais com o setor de comércio, a atuação pontual sobre casos que envolvam monopólios situacionais (por exemplo, sobre abusos praticados por um único supermercado existente em uma dada cidade) e o próprio comportamento dos consumidores (limitando a quantidade consumida ao necessário ou rechaçando exageros) terão um efeito muito melhor, além de evitar problemas futuros na economia.
Há ainda projetos de lei que interferem em contratos na economia, como o dos deputados Marcelo Freixo (Psol-RJ) e Túlio Gadelha (PDT-PE), que proíbe "temporariamente" despejos, impede incidência de multa, juros e correção monetária dos valores devidos e reduz o valor do aluguel em 30% para quem paga até R$ 5.000.
Sem ignorar a grave crise econômica que afeta a maioria da sociedade, devemos lembrar que os aluguéis recebidos são, muitas vezes, a única renda recebida por pessoas que pouparam a vida toda para garantir uma aposentadoria digna. Por outro lado, não é incomum que o locatário tenha muito mais recursos que os proprietários. Assim, este projeto pode criar situações em que o mais pobre passará a subsidiar o mais rico.
Além disso, algumas pessoas que não tenham problema de caixa neste momento poderão se sentir compelidas a não pagar aluguel agora, uma vez que não sofrerão qualquer tipo de sanção pecuniária. Finalmente, há que se considerar que, neste cenário, uma parte dos proprietários de imóveis poderão deixar de alugar neste momento, reduzindo a oferta no mercado, elevando os preços dos novos aluguéis.
Dadas as circunstâncias atuais, é melhor que as partes negociem individualmente de boa fé e que o judiciário seja o árbitro de casos não resolvidos, considerando o cenário atípico que estamos vivendo.
O que melhor poderíamos fazer neste momento não é lançar propostas isoladas, mas sim definir um pacto nacional negociado, que envolva uma coordenação técnica e política vinda do Executivo Federal, e que seja capaz de induzir a cooperação dos demais entes federativos e do próprio setor privado.
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