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Cleveland Prates

Combate à pandemia não pode ser oportunista para não quebrar o futuro

Cleveland Prates

18/04/2020 04h00

Diversas empresas de consultoria, institutos de pesquisa e instituições financeiras têm produzido novas estimativas de taxas de evolução do PIB das várias nações a cada semana. Entretanto, com o crescimento da incerteza quanto à magnitude do impacto da pandemia nas últimas semanas, já foram divulgadas várias "revisões das revisões", com novos números mostrando uma previsão de queda ainda mais forte do nível de atividade econômica. Há, inclusive, casos de quedas mais de 3 pontos percentuais nas estimativas de uma semana para outra (por exemplo, IHS-Markit entre 20/03 e 30/03 e Goldman Sachs entre 22/03 e 30/03).

Pior ainda é perceber que para uma boa parte dos países há uma elevada variância entre as estimativas das diversas instituições: para a China, por exemplo, as previsões vão de uma queda de 7,1% (Confederação Nacional do Comércio em 25/03) a um crescimento de 3,3% (Moody's em 25/03). Isso se deve tanto ao uso de distintos métodos de estimação quanto à adoção de diferentes hipóteses de duração das restrições de mobilidade que afetam o uso da força de trabalho. Fato é que, ainda que as estimativas sejam tão díspares, todas elas apontam para uma redução acentuada com relação ao nível de atividade de cada país anteriormente esperado para 2020.

Para o Brasil a situação não é diferente. Os novos dados e estimativas divulgadas nesta semana parecem corroborar a visão de que o PIB brasileiro deve cair substancialmente em 2020. No último dia 12/04/2020 o Banco Mundial divulgou uma previsão de variação de -5% para o país. No mesmo dia, o IBRE-FGV divulgou uma previsão de -3,4% para a variação do PIB e de 17,8% de taxa de desemprego ao final do ano (no cenário base). O IBRE-FGV estimou também que, mesmo com as medidas do governo anunciadas até agora, a massa salarial cairia 5,2% no ano.

Não se discute que o momento seja realmente de emergência e que requeira medidas extraordinárias para ser enfrentado. Isso fica evidente quando se observa a magnitude dos pacotes de socorro que os governos de várias nações vêm elaborando, com o intuito de aliviar a situação de pessoas e empresas que se encontram em condições adversas para enfrentar a pandemia. Esses pacotes implicam fundamentalmente uma política fiscal de guerra, que certamente terá um grande impacto sobre as finanças públicas, com ampliação brutal de déficits e dívidas públicas. Também são notórios os esforços dos governos e bancos centrais no sentido de adotar medidas que garantam a liquidez necessária para a continuidade do funcionamento dos sistemas financeiros e, assim, das economias nacionais.

A grande questão é saber lidar com um momento único e tão delicado como o que vivemos, com tantas empresas e pessoas sofrendo com a crise atual. Se por um lado medidas de ajuda são claramente necessárias para enfrentar o período de quarentena, por outra há que se ter o cuidado de prescrever a dosagem correta do remédio, sob pena de matarmos o doente no futuro, no caso a economia nacional.

Fato é que há uma série de propostas no legislativo federal que têm um potencial enorme de afetar negativamente o setor privado. São exemplo aquelas que envolvem isenções de pagamentos por serviços prestados, quebras contratuais e outras que procuram limitar preços e taxas de juros. Ao contrário dos objetivos destacados nas respectivas exposições de motivos, elas só desorganizarão as relações privadas e provocarão desemprego e queda da oferta de produtos e serviços no futuro.

Há também propostas que podem ampliar o rombo nas já combalidas contas públicas e que não necessariamente têm o foco exclusivamente nos problemas atuais. Um exemplo é o Projeto de Lei Complementar 149/19, apresentado pelo deputado Pedro Paulo (DEM-RJ), e já aprovado na Câmara. Este projeto, atropelou um processo de negociação que estava em curso para resolver problemas de longo prazo e definiu que o governo Federal compense a queda de arrecadação de impostos arrecadados por estados (ICMS) e municípios (ISS) pelo menos pelos próximos 6 meses, gerando um gasto adicional de aproximadamente 90 bilhões. E isto sem exigir qualquer contrapartida em termos de ajuste fiscal futuro. Mas o pior deste projeto é criar o incentivo errado, induzindo uma mudança no comportamento do gestor público, que será menos cuidadoso em garantir sua arrecadação, podendo, inclusive, conceder benesses de todo tipo para grupos de interesse na iniciativa privada. Obviamente esta conta terá que ser paga no futuro. A questão é saber se isso ocorrerá por meio de inflação, aumento de tributos ou elevação de juros.

Ao contrário do que estamos observando, o que deveríamos esperar dos nossos políticos é que, além de reconhecer a seriedade do momento, olhem também para o futuro, evitando medidas oportunistas que atendam aos próprios interesses ou apenas os de suas bases eleitorais.

 

Sobre o Autor

Economista especializado em regulação, defesa da concorrência e áreas correlatas. Atualmente é sócio-diretor da Microanalysis Consultoria Econômica, coordenador do curso de regulação da Fipe e professor de economia da FGV-Law/SP. Foi Conselheiro do Cade (Conselho Administrativo de Defesa Econômica) e secretário-adjunto da Secretaria de Acompanhamento Econômico do Ministério da Fazenda.

Sobre o Blog

Este blog foi criado com o objetivo de propor um debate mais racional sobre temas econômicos que, em última instância, afetam o nosso cotidiano. A ideia central é analisar decisões governamentais e judiciais que possam implicar algum impacto sobre os incentivos gerados no setor privado e sobre o crescimento econômico do país.