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Fundo partidário tira dinheiro de saúde e educação e afeta democracia

Cleveland Prates

10/04/2020 04h00

Na última sexta-feira, a Mesa Diretora da Câmara se recusou a colocar em votação destaque apresentado pelo partido NOVO à Proposta de Emenda Constitucional 10/2020 (PEC do Orçamento de Guerra), que autorizaria o partido a doar os R$ 87 milhões que teriam direito nos fundos Eleitoral e Partidário para o combate ao coronavírus. Claramente o obstáculo foi criado para evitar que os grandes partidos fossem pressionados pela opinião pública a fazer o mesmo.

Juntos, Fundo Eleitoral e Partidário somam algo em torno de R$ 3 bilhões e sua distribuição é feita de acordo com o tamanho das bancadas. Para se ter uma ideia da dimensão deste valor, basta olhar a previsão de despesas contida na Lei Orçamentária Anual (LOA) de 2020. Os recursos destinados a esses dois fundos são inferiores ao orçamento discricionário de apenas 7 das 22 pastas governamentais com status de Ministério. Por óbvio em um país tão carente de investimentos em áreas sociais, a destinação de recursos públicos desta monta a partidos políticos implica um custo de oportunidade social muito elevado. Afinal, quantas escolas, hospitais e presídios poderiam ser construídos com este dinheiro? Quantos professores, médicos e policiais poderiam ser contratados? E esta pergunta se torna tão mais relevante quando lembramos que esses recursos foram usados muitas vezes para custear viagens de jatinho, bebidas alcoólicas, jantares em churrascarias e contas pessoais de dirigentes partidários. Mais recentemente, inclusive, foi consolidado na legislação eleitoral que este dinheiro também pode ser utilizado para arcar com honorários advocatícios, inclusive para defender políticos acusados de corrupção.

Alguns insistem que este é o custo da democracia. Eu particularmente tenho uma visão bem diferente, ainda mais olhando os níveis que essas transferências atingiram e a forma como os recursos são distribuídos entre e dentro dos partidos. Os fundos, da maneira como estão conformados, criam uma forte distorção competitiva no processo eleitoral, afetando o ambiente democráticos e criando incentivos perversos que privilegiam acordos escusos e favorecem a corrupção.

Os grandes partidos já iniciam qualquer campanha eleitoral com valores astronômicos, quando comparados aos partidos menores ou aqueles recém constituídos. Isto cria dificuldades aos novatos ou àqueles menos conhecidos que resolvem participar do processo político, na medida em que terão que se esforçar muito mais para levantar fundos para fazer frente às campanhas eleitorais dos partidos já consolidados. Mal comparando ao que se estuda na área de defesa da concorrência, seria como se criássemos barreiras artificiais à entrada de novas ideias no mercado político.

A forma como o Fundo Eleitoral é distribuído dentro dos partidos também é um problema. Em geral, os recursos ficam concentrados naqueles candidatos que apoiam os "caciques políticos" dos respectivos partidos. Para se chegar a esta conclusão, basta fazer um pequeno esforço de compilação de informação sobre distribuição de campanha disponíveis no sítio do TSE.

Se juntarmos os dados sobre distribuição entre partidos e dentro dos partidos, percebemos a razão pela qual vários candidatos se consolidam a longo do tempo no Congresso Nacional. É claro que há exceções. Mas são nomes já previamente conhecidos fora da política (que aparecem muito na mídia, por exemplo) ou aqueles que pegam carona em "ondas políticas" de determinados candidatos ao executivo, como ocorreu nas últimas eleições.

A disponibilidade farta de recursos públicos para campanhas eleitorais gera ainda duas externalidades negativas. A primeira envolve a possibilidade de que determinados políticos se aproximem do seu eleitorado somente em períodos eleitorais para captar votos, uma vez que não precisarão de recursos para financiar suas campanhas. Há, assim, um descolamento entre suas decisões e aquelas esperadas pelos seus eleitores. O segundo efeito negativo está associado ao incentivo criado para que grupos "caçadores de renda" vejam os fundos Partidário e Eleitoral como algo atrativo a ponto de criarem partidos para ter acesso a este dinheiro, se tornando, inclusive, legendas de aluguéis.

Estudo de 2017 de um grupo de pesquisadores sobre o tema (Money and Politics: The Effects of Campaign Spending Limits on Political Competition and Incumbency Advantage) indica que estabelecer um limite mais rigoroso para os gastos da campanha aumenta a competição política, reduz as chances de candidatos mais ricos serem eleitos e reduz a vantagem daqueles políticos que já se acostumaram a "morar" no Congresso. Neste sentido, parece não restar dúvidas de que a sociedade precisa cobrar uma rápida mudança do modelo de financiamento público hoje vigente.

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Sobre o Autor

Economista especializado em regulação, defesa da concorrência e áreas correlatas. Atualmente é sócio-diretor da Microanalysis Consultoria Econômica, coordenador do curso de regulação da Fipe e professor de economia da FGV-Law/SP. Foi Conselheiro do Cade (Conselho Administrativo de Defesa Econômica) e secretário-adjunto da Secretaria de Acompanhamento Econômico do Ministério da Fazenda.

Sobre o Blog

Este blog foi criado com o objetivo de propor um debate mais racional sobre temas econômicos que, em última instância, afetam o nosso cotidiano. A ideia central é analisar decisões governamentais e judiciais que possam implicar algum impacto sobre os incentivos gerados no setor privado e sobre o crescimento econômico do país.


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